Conto
de Bruno Coriolano.
Chega
um momento na vida de um homem em que ele deve se desprender de tudo que não o
faz bem. Todas aquelas histórias antigas da aventura amorosa humana, as fantásticas
narrativas de povos em terras distantes e tudo o mais... Nada disso jamais
existiu. Somos irremediavelmente bombardeados por mentiras e estórias
terrivelmente mal contadas.
A
vida nada mais é do que uma sucessão de acontecimentos passageiros. Não, não estou
aqui escrevendo um manual sobre como o homem deve viver sua vida aqui na Terra.
Menos ainda, estaria eu querendo insinuar que devemos encurtar nossa existência
por aqui. Não seria tolo ao ponto de deixar que minhas vontades passageiras me aterrorizassem
assim, tão debilmente, a ponto de me fazer cortejar a ideia de tirar minha
própria vida... Ou desistir dela. Gostaria mais uma vez, mas, de fato, não quero...
Dancei
com a morte uma vez e aprendi, da pior maneira possível, que não se deve fazer
isso. Nunca... Não quero convencer ninguém a ler ou ouvir falar desse
acontecimento macabro ímpar que cuspo (ou vomito) agora nessas folhas melancólicas
e deploráveis. Fui feliz uma vez e disso tenho certeza, mas foi só! À meia
noite, tudo se foi: as flores, o perfume, as fotos, as cartas... Só restaram-me
a escuridão, o medo e a preguiça. Preguiça de começar de novo. Já não tinha
mais forças para tanto.
Tenho
duas pernas, mas recuso-me a andar, tenho dois olhos, mas recuso-me a enxergar.
Seria tão mais fácil se eu tivesse o real controle das minhas emoções, se eu
soubesse lidar com os mascarados... Sim, eles não passam de fantasias;
personagens que usam e abusam de suas mascaras. Vidas deploráveis e cheias de
nada. Fantasmas! Um vazio que nunca se preenche. Vidas mentirosas de pessoas
que não aceitam o fim inevitável. Acéfalos, imbecis, solitários e dementes. Assim,
vejo o mundo, as pessoas. Não tenho pudor ao descrever a miséria humana, pois
acordei, mesmo sem querer acordar, para relatar o que já vivi nesse mundo.
Estava
eu naquele leito do hospital da Rua 12 (não sei se, de fato, esse era o número
correto). Já não sentia dores nem angustias. Já ouvira todos os sussurros e lamentações
daquelas almas que iam, uma a uma, fazendo sua passagem para outro mundo. Mentia
para mim mesmo diversas vezes dizendo, em voz quase sem força, que eu tinha o
controle da situação. Não, eu nunca tive. Na verdade, nem lembro como tinha ido
parar naquela cama suja de hospital.
Como
sempre fui muito mais dotado intelectualmente do que meus pares, eu arrumava um
jeito de saber o que estava acontecendo ao meu redor. Triste do homem que não sabe
discernir o real do imaginário. Eu sabia como proceder para entender tudo que
se passava ao redor daquele quarto frio e sombrio.
Esperei
com uma paciência helênica a enfermeira adentrar aquele cômodo. Sim, é melhor
investir na fragilidade das mulheres, elas adoram falar. Falam tanto que dizem
até aquilo que nunca aconteceu. Fantasiam tanto que fica fácil arrancar-lhes
qualquer informação, desde que você invista em seu estado emocional. São traidores
de si mesmas!
Pedi
para a enfermeira me avisar o que estava acontecendo comigo: quando eu iria
poder voltar para casa e gozar da minha saúde imbatível, inabalável.
A
conversa não foi longa, pois ela parecia perturbada e não queria correr o risco
de revelar algo. Foi então, fazendo uso da minha inteligência mencionada
outrora, que deduzi que não arrancaria nada dela. Pedi que me desse um sinal
por meio de cores: se ela trouxesse algo de cor verde, significaria que eu
poderia ir embora em breve. Se trouxesse algo de cor amarela, significaria que
eu ainda deveria passar mais tempo naquele hospital e que minha saúde realmente
exigia cuidados. Mas, no final das contas era uma possibilidade, se ela me
trouxesse algum objeto, qualquer que fosse, na cor vermelha, isso significaria
que minha existência tinha chegado perto do fim.
Por
horas observei cada sinal, cada detalhe – eu era bom nisso! Nada... Mais uma
vez, nada me revelaria meu verdadeiro estado. As horas teimavam em passar
devagar e a cada momento, mais angustia por saber como eu estava: vivo, quase
morto, saúde piorando ou melhorando? Nada sabia.
Senti
meu corpo amolecer e meus olhos ficarem cada vez mais pesados. Era o sono que
tomava conta do meu corpo. Olhei para o lado e nada parecia claro. Estava ficando
cada vez mais escuro naquele quarto gélido. Virei de lado e vi um livro de capa
preta apenas com o título escrito em cores douradas. Não era um livro qualquer;
era o livro AS FLORES DO MAL de
Charles Baudelaire, grande poeta francês. Abri e vi que estava marcado. Não lembro
o número da página, minha visão estava cada vez mais fraca.
Li
as primeiras linhas de um poema que, salvo engano, dizia: Nós teremos leitos de
rosas ligeiras, / e divãs profundos como campa ou mar, / e flores estranhas,
sobre prateleiras / sob os céus formosos a desabrochar... Parei de ler
imediatamente ao ver o que estava marcando aquele poema: Eram pétalas de rosas
vermelhas murchas, sem vida, completamente mortas. O relógio marcava,
precisamente, meia noite. Parei, olhei ao meu redor e reconheci, sentados ao
lado da cama, os outros pacientes que já haviam partido horas, dias, semanas ou
meses antes. Entendi, fazendo mais uma vez uso da minha percepção, de que as
cores não importavam, eu já estava morto!
Esse conto é dedicado
à minha insônia. Já são quase 2 horas da manhã do dia 07 de junho de 2013 e
ainda não consegui pregar o olho. Como acho que foi obra do Divino, resolvi
sentar e escrever essa estória, que veio do nada. Há tempos, reclamava da falta de inspiração. Parece
que tudo está voltando ao normal, como era de se esperar...